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PARECER SOBRE O EIA DA PEDREIRA “VALE MARIA”
(freguesia de Alcanede, concelho de Santarém)
no âmbito do processo de consulta pública
(freguesia de Alcanede, concelho de Santarém)
no âmbito do processo de consulta pública
6 de Março de 2013
Sumário
A pedreira proposta “Vale
Maria” iria destruir o Algar das Gralhas, gruta com relevância científica e
abrigo de morcegos protegidos; iria ameaçar o Centro de Interpretação
Subterrâneo da Gruta Algar do Pena, associado à maior sala subterrânea deste
tipo existente em Portugal; iria degradar irreversivelmente o Vale do Mar, uma
formação de elevado valor paisagístico; e iria provocar poluição hídrica (não
estudada) numa área altamente sensível — um conjunto de impactes inaceitável no
coração do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros, criado precisamente
para proteger este tipo de valores.
O estudo de impacte
ambiental da pedreira “Vale Maria” é um documento de fraca qualidade, que
contém erros e omissões grosseiras em matérias essenciais, subvalorizando os
impactes ambientais negativos muito significativos do projecto.
As associações
signatárias exigem portanto a reprovação do projecto da pedreira “Vale Maria”,
bem como procedimentos de consulta mais transparentes.
1. Documentos (in)disponíveis para
consulta
Apenas se encontra
disponível para consulta on-line o resumo não técnico (RNT) do estudo de
impacte ambiental (EIA). Com a tecnologia de informação ao nosso dispor hoje em
dia, esta omissão é inaceitável e só pode ser interpretada como uma vontade
deliberada de dificultar o acesso à informação. Parece-nos igualmente
inaceitável que o projecto não esteja listado no website da Agência Portuguesa
do Ambiente, que como autoridade nacional está comprometida a fazê-lo (sem
prejuízo de se encontrar também no site da Comissão de Coordenação Regional de
Lisboa e Vale do Tejo na qualidade de autoridade de AIA para este processo). Ver
a propósito as recomendações do Conselho Consultivo de Avaliação de Impactes
Ambientais sobre a transparência de informação.
Até ontem (5 Março) a
versão do RNT on-line tinha um formato não standard e estava incompleta,
faltando-lhe designadamente a cartografia com a localização do projecto. Esta
falha só foi rectificada depois de elementos das associações signatárias terem
reclamado junto dos serviços da CCDRLVT.
Por estes motivos, apenas
nos foi possível consultar, tardiamente, o RNT do EIA.
Podemos ainda referir que
o RNT está muito longe de cumprir o código de boas práticas aplicável. A
linguagem é hermética, o texto é demasiado longo e cheio de matéria irrelevante
para um leitor leigo, e é omitida informação fundamental sobre os reais
impactes do projecto: nuns casos nem sequer foram estudados, noutros são
subvalorizados.
2. Valores protegidos ameaçados
A pedreira proposta
designada “Vale Maria”, do proponente Ferrarias, localiza-se em pleno Vale do
Mar, um vale seco quase horizontal com características paisagísticas raras no
contexto do modelado cársico superficial do Parque Natural das Serras de Aire e
Candeeiros. A pedreira irá desfigurar completamente o Vale, destruindo
irreversivelmente uma paisagem de características únicas — paisagem essa já
confinada pela presença doutras pedreiras, embora até agora sem violar o
coração do Vale do Mar.
Dentro do perímetro
designado para a nova pedreira, encontra-se o Algar das Gralhas, que será quase
certamente destruído caso a pedreira se concretize. Trata-se de uma gruta bem
conhecida, com várias topografias publicadas, e.g. por Ferreira (2000). A
entrada é um poço de 10 m; a sala principal, que se projecta para dentro
da área da pedreira em apreço, apresenta um desenvolvimento de cerca de
50 m e ostenta um concrecionamento interessante. Há várias hipóteses de
continuação por explorar. A gruta está referenciada como abrigo de espécies de
morcegos protegidas, designadamente o morcego-de-peluche (Miniopterus schreibersii). Podemos afirmar que o interesse desta
gruta per si é significativo mas não
extraordinário. Já o contexto em que se insere é de elevada importância
carsológica, espeleológica e paisagística.
Mesmo em frente à
pedreira proposta, do outro lado do vale, encontra-se o Algar do Pena e
respectivo Centro de Interpretação Subterrâneo, cuja entrada se localiza a
escassos 150 m do limite da pedreira; o desenvolvimento subterrâneo do
algar ainda encurta esta distância. O Algar do Pena contém a maior sala
subterrânea conhecida em Portugal, com cerca de 60 m x 30 m em planta
e mais de 40 m de altura. O Algar é classificado como “cavidade cársica”,
protegida, no plano de ordenamento do Parque Natural das Serras de Aire e
Candeeiros (PNSAC). O Centro de Interpretação Subterrâneo da Gruta Algar do
Pena (CISGAP) é um caso único em Portugal: operado pelo PNSAC, com um programa
de monitorização climático, recebe visitantes com interesses quer turístico
quer espeleológico. Tem um número de visitantes significativo, pelo que a
exposição do público à paisagem envolvente é igualmente significativa.
No endocarso da área
podem identificar-se circulações sub-horizontais da água, nomeadamente no Algar
do Pena, no Algar dos Potes I, no Algar das Gralhas e no Algar da Aderneira.
Todos estes algares são importantes para compreender a circulação subterrânea
nesta região, que representa uma importante reserva estratégica de água, a
segunda maior em Portugal. As pedreiras provocam uma poluição hídrica não
desprezável (designadamente o pó de pedra e as fugas de óleo dos equipamentos
mecânicos). Isto é especialmente preocupante quando, como é o caso, as
escorrências serão dirigidas para áreas com a presença de grutas sensíveis e
aquíferos importantes.
Todos estes valores são expressamente
protegidos no Plano de Ordenamento do PNSAC.
3. Erros e omissões do EIA
Alguns erros são crassos
e demonstram, ou o completo desconhecimento do terreno, ou uma inacreditável
displicência: e.g. na pág. 14 do RNT refere-se que “A Pedreira Vale Maria
localiza-se a cerca de 125 metros da margem direita do rio Alviela” (na
realidade, a nascente do Alviela fica a cerca de 9 km em linha recta).
O EIA diz que “Apesar de
terem sido identificados 13 algares em redor da área a intervencionar, não foi
possível conhecer a evolução destas cavidades cársicas em profundidade”.
Traduzido em português, isto significa que os autores do estudo não se deram ao
trabalho de procurar ou consultar quem soubesse; nem sequer referem o CISGAP,
um dos mais importantes grutas e centros de interpretação do País.
Na realidade, existem
muito mais grutas na área de estudo, muitas delas já topografadas e algumas
objecto de estudo científico.
O EIA subvaloriza de
forma inaceitável a significância dos impactes desta pedreira na paisagem, nos
recursos hídricos, no património geológico, no ruído e no significado perante
os visitantes do CISGAP da destruição do Vale do Mar.
O EIA destaca sem
fundamentar a relevância económica desta pedreira, uma postura cientificamente
inaceitável , especialmente perante os valores patrimoniais ameaçados . A
conclusão pela aceitabilidade da pedreira é totalmente falha de fundamento.
Na fotografia aérea parte
da área da pedreira proposta parece estar a ser objecto de intervenção
(presumivelmente ilegal) na periferia de uma pedreira já existente. Esta
questão é totalmente omissa no EIA. É igualmente omissa (pelo menos no RNT) a
questão da recuperação paisagística de outras áreas, a que estão sujeitos os
operadores de exploração de pedra no PNSAC.
4. Restrições legais aplicáveis
O plano de ordenamento do
PNSAC destina-se especificamente a
proteger um conjunto de valores (geológicos, biológicos, paisagísticos), que
são claramente ameaçados ou destruídos por esta pedreira. Como tal, os objectivos
genéricos do PNSAC e as restrições específicas da área de protecção
complementar são incompatíveis com o projecto proposto.
O Decreto-Lei nº 340/2007,
que regula a actividade das pedreiras, indica que zonas classificadas com valor
científico ou paisagístico, que é claramente o caso dos valores aqui ameaçados,
devem ter como referência uma área de protecção com um raio de 500 m,
excluindo desta forma toda a área em análise (e eventualmente algumas pedreiras
existentes).
5. Conclusão
Pelos motivos expostos,
as associações signatárias manifestam-se frontalmente contra a aprovação do
projecto da pedreira “Vale Maria” e reclamam maior transparência nos processos
de consulta pública deste tipo de projectos.
Referências
Ferreira, P. (2000), Enquadramento Geológico do Algar do Pena.
Relatório de estágio: Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa / PNSAC, Instituto
da Conservação da Natureza.
FPE e CEAE-LPN (não
publicado). Cadastro Espeleológico. Federação Portuguesa de Espeleologia e
Centro de Estudos e Actividades Especiais da LPN.
LPN - Liga para a
Protecção da Natureza www.lpn.pt
GEOTA - Grupo de Estudos
de Ordenamento do Território e Ambiente
www.geota.pt
FPE – Federação
Portuguesa de Espeleologia www.fpe-espeleo.org
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