Parecer sobre a proposta de definição do âmbito do EIA
da linha a 400 kV Foz Tua-Armamar
da linha a 400 kV Foz Tua-Armamar
29 Janeiro 2013
1. Antecedentes
O Governo criou em 2007 o
Programa Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroeléctrico (PNBEPH). A
barragem de Foz Tua, aprovada em 2009, é justificada ao abrigo do PNBEPH, e a
linha de muito alta tensão Foz-Tua Armamar tem como exclusiva função ligar esta
barragem à rede eléctrica nacional.
Eram metas do PNBEPH
atingir os 7000 MW de potência hidroeléctrica instalada total e
2500 MW de potência de bombagem (INAG et al. 2007). Segundo dados
oficiais, com os reforços de potência já operacionais, em obra ou aprovados, já
atingimos 7020 MW de potência instalada, e 2510 MW de bombagem (EC
2010, GEOTA et al. 2011, Melo 2012, EDP 2013). Donde, a totalidade das
barragens do PNBEPH (e as do Baixo Sabor e Ribeiradio-Ermida) são absolutamente
inúteis para cumprir as metas do PNBEPH.
Eram objectivos do PNBEPH
reduzir a dependência externa e as emissões de gases de efeito de estufa (GEE).
O argumento era que o PNBEPH seria fundamental para cumprir estes objectivos.
Na realidade, todo o PNBEPH+2 satisfaria apenas 0,5% da energia promária do
País, substituiria apenas 0,7% das importações e evitaria 0,7% das emissões de
GEE (Melo 2012). Estaríamos ao nível da comédia se não fosse uma fraude contra
os consumidores-contribuintes e um insulto à inteligência dos cidadãos.
Nunca foram seriamente
estudadas alternativas ao PNBEPH, nem os impactes cumulativos das várias
infraestuturas associadas — nem na “avaliação estratégica” do Programa, nem nos
estudos de impacte posteriores de cada aproveitamento (Arcadis/Atecma 2009,
Melo e Rodrigues 2010, WHC/ICOMOS/IUCN 2012). Como demonstrado por estes
autores, o processo de decisão desprezou os princípios de boa prática e
baseou-se sistematicamente em argumentos falsos ou não demonstrados.
O Aproveitamento
Hidroeléctrico de Foz Tua (AHFT), um dos projectos promovidos ao abrigo do
PNBEPH, implicará impactes ambientais brutais: a destruição de um vale com alto
valor paisagístico e ambiental, a desvalorização do Alto Douro Vinhateiro, a
destruição da ímpar linha ferroviária do Tua, a degradação das perspectivas de
um turismo de qualidade assente nos valores locais (Simão e Melo 2011,
ICOMOS/IFLA 2011, GEOTA et al. 2012). O próprio estudo de impacte ambiental do
AHFT refere que “os impactes negativos apresentam valores superiores, em módulo
ou valor absoluto, aos valores dos impactes positivos provocados pela
construção e exploração do AHFT, nas componentes de análise alvo do EIA”
(Profico Ambiente 2008, V2-6.14, pp. 397).
Recentemente, o relatório
do WHC/ICOMOS/IUCN para a UNESCO, embora não declare a barragem de Foz Tua
liminarmente incompatível com a classificação do Alto Douro Património da
Humanidade, impõe um conjunto de condições que torna claro ser a barragem e
infra-estruturas associadas (central eléctrica, subestação linha de alta
tensão) um conjunto de elementos perturbadores no Alto Douro.
O AHFT representaria
apenas 0,1% da energia do País (0,6% da electricidade), mas implica um custo
tal que equivale a um acréscimo de 2% na factura eléctrica das famílias. Estas
são estimativas desenvovidas em trabalhos científicos e das ONG (Melo 2012,
GEOTA et al. 2012), uma vez que não existem números oficiais sobre o encargo futuro
para as famílias destes empreendimentos.
2. O âmbito dos estudos a desenvolver
Face ao acima exposto,
torna-se claro que é completamente inaceitável que a linha Foz Tua Armamar seja
analisada de forma autónoma, como se a barragem de Foz Tua fosse um facto
consumado.
Manda a boa prática que
projectos inter-dependentes sejam avaliados em conjunto — com maioria de razão
num caso em que há impactes cumulativos importantes que nunca foram estudados.
Assim, o âmbito dos
estudos de impacte ambiental a desenvolver deverá ser expandido ou reduzido da
seguintes forma:
-
Devem ser
estudados os impactes cumulativos sobre a bacia do Douro de todas as novas
barragens aí localizadas (Foz Tua, Baixo Sabor, Fridão e sistema do Alto
Tâmega), conforme referido nos estudos da Arcadis/Atecma (2009) e no relatório
do WHC/ICOMOS/IUCN (2012), bem como as respectivas centrais, subestações e linhas de alta tensão. Devem ser estudados os
impactes cumulativos em matéria de qualidade da água, sobre os ecossistemas
ribeirinhos, sobre o despovoamento, sobre a mobilidade, sobre a paisagem do
Alto Douro Vinhateiro, sobre a produção de vinho, sobre a destruição de
terrenos agrícolas, e sobre os riscos para as populações ribeirinhs e o
litoral;
-
Devem ser
quantificados os custos totais destes empreendimentos, com destaque para o caso
de Foz Tua, onde a UNESCO exigiu um conteúdo de obras complementares muito
dispendiosas, ainda não oficialmente quantificadas;
-
Deve ser
examinado o custo-eficácia da barragem de Foz Tua no cumprimento dos objectivos
alegas, e comparado com a melhor alternativa — não a construção de novas
centrais a gás, mas sim a promoção de medidas de eficiência energética. Deve
aqui ser tomado como referência a Estratégia Europeia para a Energia (CE 2010)
e o Plano Nacional de Acção para a Eficiência Energética
2008-2015 (PNAEE, PCM 2008)
-
Especificamente
quanto aos possíveis traçados da linha de alta tensão Foz Tua-Armamar, devem
ser levados em conta apenas os que a REN - Redes Energéticas Nacionais,
considera como viáveis. Os outros são obviamente irrelevantes. Os traçados
economicamente viáveis devem sofrer uma análise detalhada quanto ao seu impacte
visual sobre o Alto Douro Vinhateiro.
Referências
Melo JJ,
Rodrigues AC (2010). O PNBEPH numa perspectiva de avaliação estratégica,
política energética e gestão da água. 4ª Conferência Nacional de Avaliação de
Impactes (CNAI´10). APAI/UTAD, Vila Real, 20-22 Outubro 2010. (resumos
publicados em brochura, comunicações em CD)
Arcadis/Atecma
(2009), Technical assessment of the
Portuguese National Programme for Dams with High Hydropower Potential (PNBEPH).
Contract No
07.0307/2008/ENV.A2/ FRA/0020 – Lot 2. Project – 11/004766| 07/07/2009.
European Commission/ DG Environment
Melo JJ (2012).
Not sustainable: the sad business of Portuguese new dams. Proceedings of IAIA 2012. IAIA, Porto, Portugal, 27 May-1 June 2012.
GEOTA,
FAPAS, LPN, Quercus, CEAI, Aldeia, COAGRET, Flamingo, SPEA, MCLT (2011).
Memorando “O Programa Nacional de Barragens: desastre económico, social e
ambiental”, entregue à Comissão Europeia, FMI, BCE e Governo Português em Maio
2011.
EC (2010b). EU
Energy and Transport in Figures — statistical pocketbook 2010. European Commission. ISBN 978-92-79-13815-7,
ISSN 1725-1095.
EDP (2013). Centros produtores. http://www.a-nossa-energia.edp.pt/centros_produtores
INAG/DGEG/REN
(2007). Programa Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroeléctrico
(PNBEPH). Instituto da Água, Direcção Geral de Energia e Geologia, Redes
Energéticas Nacionais.
WHC/ICOMOS/IUCN
(2012). Report of the joint WHC/ICOMOS/IUCN reactive monitoring mission to the
Alto Douro ine Region (Portugal) for UNESCO, August 2012
Simão
JV, Melo JJ (2011). Impact of nature and cultural tourism in the Tua Valley. Proceedings of IAIA 2011. IAIA, Puebla,
Mexico, 28 May-3 June 2011.
ICOMOS/IFLA (2011). World
Heritage List: Advisory mission to ALTO DOURO WINE REGION (PORTUGAL) to
consider the impacts of the proposed Hydro-electric Foz Tua Dam Project. Report prepared for UNESCO.
GEOTA/LPN/Quercus/FAPAS/GAIA/COAGRET/MCLT/AAVRT/ALDEIA/MCDLT/Qta.
Crasto/Qta Murças Qta Nova N.S. Carmo/Qta Portal/SPEA/GF/GL (2012). Position paper on the Foz Tua dam and the
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CE (2010), COM/2010/639. Comunicação da Comissão ao
Parlamento e ao Conselho. Energia 2020: estratégia para uma energia
competitiva, sustentável e segura. Comissão Europeia.
PCM (2008). Resolução do Conselho de Ministros nº 80/2008. Diário da República, 1ª série — Nº 97 —
20 de Maio de 2008. Portugal. Aprova o Plano Nacional de Acção para a
Eficiência Energética 2008-2015 (PNAEE).
GEOTA - Grupo de Estudos de Ordenamento do Territitório
e Ambiente
Travessa do Moinho de Vento, nº17, CV Dta, 1200-727
Lisboa
Tel/ Fax: 21 395 61 20
e-mail: geota@geota.pt
www.geota.pt
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LPN - Liga para a Protecção da Natureza
Estr. Calhariz de Benfica, 187, 1500 Lisboa
Tel: 217780097
e-mail: lpn@lpn-natureza.pt
www.lpn.pt
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